Dados dos Resultados do Primeiro Inquérito Nacional de Custos Catastróficos incorridos pelos Pacientes com TB (tuberculose) no Brasil, apresentados recentemente, mostram que as pessoas com co-infecção TB/HIV e os trabalhadores autônomos, tem mais chance de gastar seus recursos quando afetados pela TB. O estudo aponta também a necessidade de ampliação no acesso e qualidade da assistência, melhorando a proteção social com determinantes sociais mais amplos. Segundo a enfermeira Ethel Maciel, coordenadora da pesquisa, “as pessoas acometidas pelas TB estão ficando mais pobres ao longo do tratamento”.
O estudo atingiu 603 entrevistados, em todas as regiões, levantando a experiência de pacientes e familiares durante um episódio de diagnóstico e tratamento de TB. Cada paciente relatou gastos, perda de tempo, medidas de enfrentamento, renda, despesas domésticas anuais e seus bens. 48 % deles relataram enfrentar custos catastróficos envolvendo despesas médicas, outras despesas e perda de renda em função da enfermidade.
Uma das constatações é que tuberculose empobreceu os pacientes afetados e suas famílias, aumentando a taxa de pobreza durante o episódio de TB de 16% para 25%. Durante a doença, 68% das famílias afetadas tiveram sua renda reduzida para US$ 1,9/dia (cerca de 315 reais por mês). A melhoria da proteção social foi um dos indicativos do levantamento, orientando as políticas para investimentos no âmbito alimentar, de transferência de renda e de apoio social administrativo aos pacientes.
Nesta entrevista a pesquisadora Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo, detalhe outros aspectos envolvendo a pesquisa:
A pesquisa parece evidenciar a necessidade de ações de proteção social aliadas ao tratamento da TB. Quais as ações que você acredita poderiam ser desenvolvidas ou ampliadas neste aspecto?
Precisamos intensificar duas frentes: primeiro junto as ações que já existem, como bolsa família, vale gás e outros benefícios onde poderia ser incluída a tuberculose, e outras doenças associadas a pobreza, como uma das condicionalidades. Assim no período de adoecimento deveria haver esta prioridade para recebimento destes benefícios.
Outro ponto é a criação de benefícios de proteção social específicos durante o tratamento, como por exemplo o recebimento de vale transporte e cesta básica. Deveríamos ter leis municipais e estaduais que garantissem esta transferência, através do financiamento do SUAS com o SUS, para que recursos fossem destinados para garantir estes benefícios, sobretudo junto a família com renda menor, como está sendo colocado na concessão do auxílio emergencial atualmente. A média de renda familiar dos entrevistados foi de 2 salários mínimos e meio.
A pandemia de Covid ampliou a desigualdade social no Brasil e visibilizou mais a injustiça na distribuição de renda. A pesquisa corrobora com isto ao evidenciar as pessoas que vivem com HIV/aids centre as que tem mais chance de gastar mais seus recursos quando afetados pela TB. Qual a importância das ações conjuntas voltadas para os co-infectados e quais, na sua opinião, precisam ser prioritárias neste momento?
As pessoas que vivem com HIV tendo que enfrentar a tuberculose, tem diferenças importantes sobretudo na interação entre os medicamentos, efeitos adversos e outras questões. Precisaríamos que ações conjuntas pudessem ser feitas principalmente no investimento da prevenção, junto as PVH, para que não desenvolvam TB. O tratamento da tuberculose infecção em pessoas com HIV é uma prioridade máxima, que precisa ser intensificada garantindo a todos o acesso ao tratamento, assim que necessário.
Além da prevenção, uma vez que sejam acometidos pela doença é preciso um cuidado especialmente em relação aos efeitos adversos, que acabam exigindo mais gastos com medicamentos para minimizar estas consequências: como combate a dores, enjoos e outros males.
A melhoria da prestação de serviços foi apontada como uma necessidade nas políticas públicas, nisto foi apontado o uso de ferramentas digitais e telemedicina para monitorar o tratamento e adesão. Considerando que a realidade do acesso à internet é desigual no país, com menos da metade de população com esta facilidade em suas casas e custos que obrigam a uso pré-pago ou utilização de redes públicas limitadas, como esta possibilidade poderia ser efetivada a curto prazo de forma satisfatória?
Precisamos de políticas públicas mais amplas que não estão no setor saúde. Vemos que o acesso de qualidade a internet se apresenta como uma das grandes dificuldades, inclusive para políticas de educação inclusiva. Trata-se de algo muito mais amplo principalmente na garantia do acesso a internet gratuita, o que beneficiaria todas as áreas sociais, não apenas a saúde.
Em relação a utilização, a partir da possibilidade de termos este serviço para telemedicina e acompanhamento de casos, precisamos desenvolver aplicativos que possam funcionar exigindo pouca capacidade dos aparelhos celulares, sem necessidade de grandes tecnologias para isto. Se funcionarem offline e quando logados poderem enviar os dados e se comunicarem, já prestam um grande auxílio.
Outra questão é a necessidade de possibilitar o acesso aos que estão fora do mundo virtual. Isto exige políticas públicas multisetoriais e intersetoriais. A existência de pontos de internet gratuita pela cidade seria o ideal. Mas enquanto isto, vamos trabalhando com os que dominam a tecnologia e, assim, diminuiremos a demanda para as equipes de saúde permitindo que a presencialidade seja ampliada junto aos que não estão incluídos no acesso remoto. O importante é poder atender todos conforme a realidade e a necessidade.
A pesquisa não fala na influência do uso abusivo de álcool e outras drogas na não continuidade do tratamento, nem na alternativa do tráfico como forma de ampliação de renda entre os mais pobres. Esta realidade não foi notada durante os campos ou não foi considerada relevante?
O delineamento da pesquisa teve um corte epidemiológico transversal, assim não foram acompanhados os pacientes no decorrer do tratamento. Sabemos que estas questões são grandes problemas no tratamento da TB, principalmente na continuidade.
Outros estudos mostram que estas pessoas têm maior possibilidade de efeitos adversos, por conta do alcoolismo, necessitando modificações até no esquema terapêutico. Existem diferenças que são relevantes, ainda que não tenham sido alvo deste estudo específico, por conta de seu objetivo em analisar determinado momento, no entanto é uma realidade que precisa atenção.
A pesquisa aponta que 61,5% da amostra não recebeu nenhum auxílio de proteção social e lista os trabalhadores autônomos entre os grupos com maior probabilidade de incorrer em custos catastróficos. O Governo Federal afirma que pagou R$ 288 bilhões em Auxílio Emergencial a quase 70 milhões de brasileiros. Qual a causa reportada (se houve) de não acesso a estes recursos pelos entrevistados? A dificuldade tecnológica, burocrática e de desinformação foi apontada como empecilho?
Não foi alvo da pesquisa saber por que não se recebiam os benefícios, procuramos saber de quem recebia como este recurso, na composição da renda familiar, poderia aliviar ou não o gasto desta pessoa durante a procura pelo diagnóstico e tratamento. Acredito que este dado nos remete a reflexão, e necessidade, de que numa próxima pesquisa se investigue isto melhor. Esta é a grande e nova pergunta que se impõe: Porque estas pessoas que deveriam receber o auxílio emergencial, pelo corte de renda, não estavam recebendo?
Acho que precisamos entender melhor as barreiras enfrentadas, por estas pessoas, para acessar o sistema de Assistência Social no Brasil. Este dado é um importante dado para que tais barreiras sejam derrubadas. Temos um outro projeto, chamado Elísios, que tem como objeto entender isto melhor. Os dados da pesquisa estão sendo finalizados e serão publicados numa revista científica.
Liandro Lindner, especial para Agência Aids
09/10/2021 - 14h04
Fonte: https://agenciaaids.com.br/noticia/pesquisa-revela-que-tuberculose-empobreceu-pacientes-e-familiares-durante-a-pandemia-de-covid-19/
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